segunda-feira, 29 de março de 2010

emoção à distância

Demasiada. Não uma, não duas, não três, foram já várias as vezes em que perdi a compostura no meu novo escritório de há sete meses para cá. Não sei se é por estar longe (e não estou assim tanto), mas receber as novidades por um e-mail escarrapachado no ecrã ou por via do fio telefónico enrolado parece que tem outro impacto. Ou então tem simplesmente o impacto justo para quem não está fisicamente presente e não pode abraçar, apertar, chorar de alegria ou tristeza, olhar nos olhos... enfim, partilhar.
Hoje foi mais um dois-em-um. Uma barriga a crescer e um compromisso a dar um novo passo - um anel, uma festa, um monte de planos e projectos agora a três. E eu sei-o por telefone, por entre as papeladas e as reuniões próprias de uma segunda-feira apocalíptica e desumana - assim me é contada a maior das humanidades: o amor, a procriação, o caminho. Começo a ver desfocado (porque os olhos se me empapam) e no entanto não posso sair daqui e ir a correr dar aquele devido aperto que dá quem está feliz com a felicidade alheia e deseja a maior sorte a quem a merece. Nestas coisas, a distância é chatinha.
A esta menina que hoje me deu a notícia "bac" conheço-a quase há tanto tempo quanto me conheço a mim. Ela era (a) amiga da minha idade no Verão e nem por isso éramos inseparáveis. Ainda assim, sempre nos acompanhámos de perto, desde os tempos dos laçarotes na cabeça e dos Jogos de Verão, passando pelos Bon Jovi e a Rádio Voz de Almada, as botas All Star e os calzoni italianos, os amores platónicos e os desamores fatídicos. Mais tarde também nas afirmações dos vinte-e-alguns anos, nas mudanças radicais e na incessante perseguição à realização pessoal - sempre com o interesse e a fidelidade que distinguem uma Amizade de um mero conhecimento. Até aos dias de hoje, de meninas que se querem crescidinhas e que resistem a sê-lo. Até agora.
Hoje, esta menina da minha idade estava feliz ao telefone. E eu, ainda que à distância, arrebanhei parte dessa felicidade para mim e fi-la minha. Gritei para dentro de emoção e uma vez mais desejei ter braços de 600 km de comprimento para abraçar e sentir esta bonita verdade de perto. (Parabéns).

quarta-feira, 17 de março de 2010

pendulum weekend *


* at orange hours.
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terça-feira, 16 de março de 2010

ontem

Teria soprado 59 velas. E, no entanto, continuaria a ser um menino grande. Uma vivacidade de rapaz encafoada num corpo de homem - de homem de cabelos esbranquiçados e estrutura sólida. Rebentaria de energia pelas costuras e costuraria as nossas vidas com uma linha de graça, um pesponto de improviso. Traria mais uma história para casa, levaria outra vez o comando em vez do telefone, daria um conselho, levaria a família a jantar fora, agradeceria os presentes dizendo que não era preciso, mas emocionar-se-ia. Daria um grito às netas endiabradas e em seguida ofereceria dois gelados a cada uma. Em casa, iria para a cama com a sua revista de cães, caça e pesca e pedir-me-ia um beijo. Ou eu iria espontaneamente dá-lo porque me atraía a visão daquele homem furacão em cima das almofadas, com os lençóis até debaixo dos braços e a televisão como pano de fundo, ignorada. Os óculos na mão, os ombros nus e sardentos, os olhos a escorregarem-se-lhe de sono, a revista a cair. A ternura.
Ontem, mais ou menos teria sido assim.
(ontem, mais ou menos, assim foi)

quinta-feira, 11 de março de 2010

basta pum

Não, hoje não!
Hoje deixo-me apenas levar pelo meu ritmo - diferente do de todos os meus desconhecidos companheiros de manhãs ramelosas e aceleradas. Hoje não olho os nomes das estações de metro, e deixo-me fundir com apenas um degrau das escadas rolantes; deixo-me de pressas e atletismos e não os galgo a todos, enormes e difíceis; porque hoje não é crime deixar-me levar, é apenas o meu ritmo.
Hoje sou também o violino de quase todos os dias, o de lá do canto da estação de metro, entre um lance de escadas e outro. Deixo-o entrar primeiro pelos pés depois por aí acima até à ponta do cabelo escrespado do frio. Deixo-me fazer subir ao som deste tiririri musical que me encanta muitas das minhas manhãs mas que nunca me possui como hoje.
Hoje observo os prédios a crescerem por cima da minha cabeça, a moverem-se à medida que a escada rolante me traz de volta à superfície. Vejo-os, lentamente, a ganharem vida. E os raios de sol penetram-nos, criando riscos de luz no chão, o que agora piso calma e em paz.
Hoje não dava para mais.

quarta-feira, 3 de março de 2010

terça-feira, 2 de março de 2010

half way

Aqui. No Qatar. No aeroporto. À espera. Há horas. Para trás a sensação de finalmente pôr a mochila às costas - curvadas, esgotadas - e por fim poder escapar-me. Apenas por uns dias, mas um glorioso e merecido conjunto de dias. Seis e meia da manhã em GMT e finalmente o peso - não muito - dessa mochila há muito pensada e sonhada. Não consigo evocar sensações muito melhores que esta - a de ir. Amo os regressos, mas pelo-me por uma partida. Sou basicamente uma vendida ou, como o outro senhor, uma rendida a dois amores entre os quais que não se escolhe - porque se completam. Mas a partida, dizia, essa malandra que me da speed ao sangue e me humedece as pálpebras: o percurso na madrugada escura, a ansiedade, o pânico do checkin, a certeza de que algo pode acontecer - a reserva que não está confirmada, a lima das unhas que tem de ficar, o bilhete que era para ontem, o balcão da companhia que não existe, ou eu que me esqueci da maquina fotográfica. E quando nada acontece - raridade - entro em incrédulos suores frios e agradeço ao mundo, a deus, ao buda e às hospedeiras. Desta vez assim foi. Respirar fundo.
E agora, no Qatar à espera. No aeroporto onde se cruzam e se roçam as túnicas arabescas, brancas e masculinas, com as pernas despidas e inglesinhas das bifas cor-de-rosa. As burkas, os chapéus de cowboy, os coreanos incompreensíveis que jogam pinball em computadores de todos os tamanhos, as freiras de buço e os viajantes. Agradeço o cheiro a cânfora mas dispenso o do suor alheio e o ar condicionado assassino. E esta é a minha porta de entrada no mundo que não europeu, nem americano, nem africano, nem latino-americano - e que nunca conheci. Estou em êxtase e estou feliz. Mas cansada desta espera - pele chegada, pelo destino final, o abraço, ai aquele abraço, e o olhar (que saudades). A espera pelas terras húmidas onde se descansa acocorado e se come com dedos. Estou curiosa, já só quero chegar. (E ao teu lado ver nascer, húmido e laranja, o próximo dia que aí vem. Até já.)